LOVE SONG

MENSAGENS DE AMOR

29 de ago. de 2008

QUANDO ME TORNEI INVISÍVEL



Já não sei em que data estamos.
Lá em casa não há calendários e na minha
memória as datas estão todas misturadas.
Me recordo daquelas folhinhas grandes,
uns primores, ilustradas com imagens dos
santos que colocávamos no lado da penteadeira.
Já não há nada disso.

Todas as coisas antigas foram desaparecendo.
E sem que ninguém desse conta, eu me
fui apagando também...
Primeiro me trocaram de quarto, pois
a família cresceu.

Depois me passaram para outro menor ainda
com a companhia de minhas bisnetas.
Agora ocupo um desvão, que está no pátio de trás.
Prometeram trocar o vidro quebrado da janela,
porém se esqueceram, e todas as noites por ali
circula um ar gelado que aumenta minhas
dores reumáticas.

Mas tudo bem...
Desde há muito tempo tinha intenção de escrever,
porém passava semanas procurando um lápis.
E quando o encontrava, eu mesma voltava
a esquecer onde o tinha posto.
Na minha idade as coisas se perdem facilmente:
claro, não é uma enfermidade delas, das coisas,
porque estou segura de tê-las, porém sempre
desaparecem.

Noutra tarde dei-me conta que minha voz
também tinha desaparecido.
Quando eu falo com meus netos ou com
meus filhos não me respondem.
Todos falam sem me olhar, como se eu não
estivesse com eles, escutando atenta o que dizem.
As vezes intervenho na conversação, segura
de que o que vou lhes dizer não ocorrera
a nenhum deles, e de que lhes vai ser
de grande utilidade.
Porém não me ouvem, não me olham,
não me respondem.
Então cheia de tristeza me retiro para meu
quarto e vou beber minha xícara de café.
E faço assim, de propósito, para que compreendam
que estou aborrecida, para que se dêem conta
que me entristecem e venham buscar-me
e me peçam perdão …
Porém ninguém vem....
Quando meu genro ficou doente, pensei ter a
oportunidade de ser-lhe útil, lhe levei um
chá especial que eu mesma preparei.
Coloquei-o na mesinha e me sentei a esperar
que o tomasse, só que ele estava vendo
televisão e nem um só movimento me
indicou que se dera conta da minha presença.
O chá pouco a pouco foi esfriando…
e junto com ele, meu coração...
Então noutro dia lhes disse que quando
eu morresse todos iriam se arrepender.
Meu neto menor disse:
"Ainda estás viva vovó? ".
Eles acharam tanta graça, que não pararam de rir.
Três días estive chorando no meu quarto,
até que numa manhã entrou um dos rapazes
para retirar umas rodas velhas
e nem o bom dia me deu.
Foi então quando me convencí de que sou invisível...
Parei no meio da sala para ver, se me tornando
um estorvo me olhavam.
Porém minha filha seguiu varrendo sem me tocar,
os meninos correram em minha volta, de um lado para
o outro, sem tropeçar em mim.
Um dia se agitaram os meninos, e me vieram dizer que
no dia seguinte nós iríamos todos passar um dia no campo.
Fiquei muito contente.
Fazia tanto tempo que não saía e mais ainda ia ao campo!
No sábado fui a primeira a levantar-me.
Quis arrumar as coisas com calma.
Nós os velhos tardamos muito em fazer qualquer
coisa, assim que adiantei meu tempo para não atrazá-los.
Rápido entravam e saíam da casa correndo
e levavam as bolsas e brinquedos para o carro.
Eu já estava pronta e muito alegre, permaneci
no saguão a esperá-los.
Quando me dei conta eles já tinham partido
e o auto desapareceu envolto em algazarra, compreendí
que eu não estava convidada, talvez porque
não coubesse no carro...

...Ou porque meus passos tão lentos impediriam que
todos os demais caminhassem a seu gosto pelo bosque.
Senti claro como meu coração se encolheu e a minha
face ficou tremendo como quando a gente tem que
engolir a vontade de chorar.
Eu os entendo, eles vivem o mundo deles.
Ríem, gritam, sonham, choram, se abraçam, se beijam.
E eu, já nem sinto mais o gosto de um beijo.
Antes beijava os pequeninos, era um prazer enorme
tê-los em meus braços, como se fossem meus.
Sentía sua pele tenrinha e sua respiração
doce bem perto de mim.

A vida nova me produzia um alento e até me dava vontade
de cantar canções que nunca acreditara me lembrar.
Porém um dia minha neta Laura, que acabava de ter
um bebê disse que não era bom que os anciãos
beijassem aos bebês, por questões de saúde...
Desde então já não me aproximo deles, não quero
lhes passar algo mal por minhas imprudências.
Tenho tanto medo de contagiá los !
Eu os bendigo a todos e lhes perdôo, porque...
"Que culpa eles têm de que eu tenha me tornado
i n v i s í v e l ?"
DA

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