MARTHA MEDEIROS
Tenho viajado bastante para acompanharalgumas pré-estreias do filme Divã, baseado
no meu livro homônimo. Delícia de tarefa,
ainda mais quando a gente gosta de verdade
do trabalho realizado, e esse filme realmente
ficou enxuto, delicado e emocionante. Além
disso, ainda consegue me provocar.
A personagem Mercedes (vivida pela incrível
Lilia Cabral) está fazendo análise e leva
pro consultório muitos questionamentos
sobre sua vida. Até que, passado um tempo,
finalmente relaxa e se dá conta de que não
há outra saída a não ser conviver com suas
irrealizações. Diante disso, o analista sugere
alta, no que ela rebate: Alta? Logo agora
que estou me divertindo?.
Eu tinha esquecido dessa parte do livro, e
quando vi no filme, me pareceu tão cristalino:
um dos sintomas do amadurecimento é
justamente o resgate da nossa jovialidade,
só que não a jovialidade do corpo, que isso
só se consegue até certo ponto, mas a
jovialidade do espírito, tão mais prioritária.
Você é adulto mesmo?
Então pare de reclamar, pare de buscar
o impossível, pare de exigir perfeição de
si mesmo, pare de querer encontrar lógica
pra tudo, pare de contabilizar prós e
contras, pare de julgar os outros, pare
de tentar manter sua vida sob rígido
controle. Simplesmente, divirta-se.
Não que seja fácil. Enquanto que um
corpo sarado se obtém com exercício,
musculação, dieta e discernimento
quanto aos hábitos cotidianos, a leveza
de espírito requer justamente o contrário:
a liberação das correntes. A aventura
do não-domínio. Permitir-se o erro.
Não se sacrificar em demasia, já que
estamos todos caminhando rumo a um
mesmo destino, que não é nada espetacular.
É preciso perceber a hora de tirar o pé
do acelerador, afinal, quem quer cruzar
a linha de chegada?
Mil vezes curtir a travessia.
Dia desses recebi o e-mail de uma mulher
revoltada, baixo-astral, carente de frescor,
e fiquei imaginando como deve ser difícil
viver sem abstração e sem ver graça na
vida, enclausurada na dor.
Ela não estava me xingando pessoalmente,
e sim manifestando sua contrariedade
em relação ao universo, apenas isso:
odiava o mundo. Não a conheço, pode
sofrer de depressão, ter um problema
sério, sei lá. Mas há pessoas que
apresentam quadro depressivo e ainda
assim não perdem o humor nem que
queiram: tiveram a sorte de nascer com
esse refinado instinto de sobrevivência.
Dores, cada um tem as suas..
Mas o que nos faz cultivá-las por décadas?
Creio que nos apegamos com desespero
a elas por não ter o que colocar no lugar,
caso a dor se vá. E então se fica ruminando,
alimentando a própria "má sorte", num
processo de vitimização que chega ao nível
do absurdo. Por que fazemos isso conosco?
Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer
algumas perdas é inevitável, mas que não
precisamos nos agarrar à dor para justificar
nossa existência.
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