LOVE SONG

MENSAGENS DE AMOR

22 de nov. de 2008

PRAZERES PELA METADE


(leila ferreira)

Não há nada que me deixe mais frustrada
do que pedir sorvete de sobremesa, contar
os minutos até ele chegar e aí ver o garçom
colocar na minha frente uma bolinha
minúscula do meu sorvete preferido ?
Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante,
menor a porção da sobremesa. Aí a vontade
que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um litro de sorvete bem cremoso
e saborear em casa com direito a repetir
quantas vezes a gente quiser, sem pensar
em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido
nosso cotidiano. A vida anda cheia de meias
porções, de prazeres meia-boca, de aventuras
pela metade. A gente sai pra jantar, mas
come pouco.

Vai à festa de casamento, mas resiste aos
bombons. Conquista a chamada liberdade sexual,
mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria
das mulheres continua com pavor de ser rotulada
de "fácil").

Adora tomar um banho demorado, mas se contém
pra não desperdiçar os recursos do planeta. Quer
beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem
medo de fazer papel ridículo. Tem vontade de ficar
em casa vendo um DVD, esparramada no sofá,
mas se obriga a ir malhar. E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em "acertar",
tanto empenho em passar na vida sem pegar
recuperação... Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta e existencialmente sem-graça,
enquanto a gente vai ficando melancolicamente
sem tesão..

Às vezes dá vontade de fazer tudo "errado" ? deixar
de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança
e os 10 mandamentos. Ser ridícula, inadequada,
incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o
que pensam a nosso respeito. Re cusar prazeres
incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se
rebelou e disse uma frase mais ou menos assim:
"Deus, dai-me continência e castidade, mas
não agora"..

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui
de passagem, podemos (devemos?) desejar várias
bolas de sorvete, bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados, a água batendo sem
pressa no corpo, o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas
de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10
episódios do "Law and Order", uma caixa de trufas
bem macias e o Clive Owen embrulhado pra presente?
não necessariamente nessa ordem. Depois a gente
vê como é que faz pra consertar o estrago.

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