LOVE SONG

MENSAGENS DE AMOR

27 de ago. de 2009

À espera de uma paixão


Martha Medeiros
Estão casados há muito tempo,
mas o que é muito tempo?
Talvez um tempo que ultrapassou a
excitação do desconhecimento mútuo,
a alegre descoberta de afinidades,
o êxtase diante do corpo alheio:
agora já possuem todas as informações,
o dossiê completo um do outro,
com seus defeitos e virtudes.
Aparentemente, nada mais há a descobrir.
Dão-se bem, conversam com facilidade,
riem juntos ainda, mas nada os diferencia
de um bom casal de amigos.
O que talvez seja uma trégua mais que
bem-vinda, se o objetivo for este,
a paz conjugal, nenhum grilo falante
sussurrando no ouvido esquerdo:
“é isso mesmo que você quer pro resto da vida?”
Se, ao invés de sim, a resposta for não,
não é isso que quero pro resto da vida,
não é um amigo dormindo na mesma cama
com sua tosse e seu hálito, com suas
manias diárias e seu comportamento previsível,
não, não é isto que quero pro resto da vida,
um bom-dia num tom de voz mais que conhecido,
um boa-noite num bocejo, todos os dias
do calendário vividos como se cumprissem
uma agenda pré-programada, tudo igual
e tudo correto, sem calafrios e sem dúvidas,
sem medo e sem assombros, sem qualquer
sobressalto, se a resposta for não, não é
isso que quero, então por que continuar?
Segundo Fabricio Carpinejar, grande poeta,
a vida não é continuar, a vida é começar.
Tive a honra de ler em primeira mão,
antes de ser lançado, o primeiro livro
de crônicas do Fabricio,
“O amor esquece de começar”.
Nele, Fabricio cita, em determinado momento,
a secreta aflição daqueles que não se
separam enquanto não surgir uma paixão
com a qual possam dividir a culpa da fuga.
Tocou num ponto nevrálgico.
Não são dois nem três, são milhares
de homens e mulheres dizendo que
estão bem, que seu casamento é satisfatório,
mas que se surgisse uma paixão, aí o chão
poderia afundar, aí as paredes cairiam,
nem os filhos serviriam de âncora,
a cancela abriria e nenhum caminho
de volta seria possível: iriam em frente,
atenderiam o chamado do amor.
Se uma paixão acontecesse, tudo ficaria
explicado, ninguém os condenaria.
Se uma paixão descesse do céu, aí é
porque estava escrito, aí se justificaria
qualquer insanidade, ah, se uma paixão
aterrissasse aqui na palma da mão,
tudo estaria solucionado.
Mas a paixão não acontece, não aterrissa,
não toca a campainha, não quer incomodar
a família tão ocupada em ver televisão
e comer a pizza de domingo, todos presos
ao relógio, tic-tac, o tempo se repetindo
metodicamente.
A paixão, do lado de fora da casa, não entra,
não disca, não bate à porta, aguarda sua hora,
que não chega, porque a saída do dono demora.
Por outro lado, não saem pra rua esposas e
maridos que têm uma vida já bem ensaiada,
a troco de quê trocá-la por um ponto de
interrogação, uma espera, uma tentativa?
Mas se a paixão arrombasse a porta,
seria outra história.
Não são dois nem três, são quinhentos, são
milhões à espera de um rapto, de um seqüestro,
de qualquer coisa que lhes absolva por antecipação:
“não tive como negar, foi uma paixão, um
arrebatamento, fui engolida por uma emoção
nova, só por isso eu fui, só por isso eu me permiti”.
Sem este álibi, quem se atreve?
A vida não é continuar, a vida é começar.
Sem o empurrãozinho de um amor novo, sem
este atordoamento emocional que torna a todos
vítima, ou ao menos cúmplices do irracional,
vamos ficando, vamos ficando.
Há que se ter muita coragem para encarar a
própria verdade sem um bom discurso de defesa.

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