LOVE SONG

MENSAGENS DE AMOR

24 de ago. de 2009

AFINIDADE


A afinidade não é o mais brilhante,
mas o mais sutil, delicado e penetrante
dos sentimentos. O mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os
adiamentos, as distâncias, as
impossibilidades. Quando há afinidade,
qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato
ponto em que foi interrompido. Afinidade
é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos
verbais para se manifestar. Existia antes
do conhecimento, irradia durante e
permanece depois que as pessoas deixaram
de estar juntas. O que você tem dificuldade
de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você
tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido
a respeito dos mesmos fatos que
impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação
anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra,
nem sentir para, nem sentir por, nem sentir
pelo. Quanta gente ama loucamente, mas
sente contra o ser amado. Quantos amam
e sentem para o ser amado, não para eles
próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar
o que está sentindo. É olhar e perceber. É
mais calar do que falar. Ou quando é falar,
jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente
por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se
contaminar. Compreende sem ocupar o lugar
do outro. Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por
não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o
outro, quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder
questionar, não nega ao outro a possibilidade
de ser o que é, como é, da maneira que é. E,
aceitando-o, aí sim, pode questionar, até
duramente, se for o caso. Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar
porque não aceita o outro como ele é. Por
isso, aliás, questiona. Questionamento de
afins, eis a (in)fluência. Questionamento
de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor. Pode
existir com ou sem ele. Independente dele.
A quilômetros de distância. Na maneira
de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas
vemos passar, por vizinhos com quem
nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros
continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.


Quem pode afirmar que, durante o sono,
fluidos nossos não saem para buscar
sintomas com pessoas distantes, com
amigos a quem não vemos, com amores
latentes, com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem

se estabeleceu o vínculo da afinidade! No
dia em que a vir de novo, você vai prosseguir
a relação exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não

conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um

de nós traz afinidades ancestrais com a
experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem

de nós, para encontrar sintonias futuras
nas quais estaremos presentes. Sensível
é a afinidade. É exigente, apenas de que
as pessoas evoluam parecido. Que a erosão,
amadurecimento ou aperfeiçoamento
sejam do mesmo grau, porque o que define
a afinidade é a sua existência também
depois.

Aquele ou aquela de quem você foi tão

amigo ou amado, e anos depois encontra
com saudade ou alegria, mas percebe
que não vai conseguir restituir o clima
afetivo de antes, é alguém com quem
a afinidade foi temporária. E afinidade
real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar

afinidade morta, ou a ilusão de que as
vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por

outros meios. A vida passou por ela e fez
tempestades, chuvas, plantios de resultado
diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais

esperanças, é conversar no silêncio, tanto
das possibilidades exercidas, quantos
das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação do ponto

em que parou, sem lamentar o tempo da
separação. Porque tempo e separação
nunca existiram. Foram apenas a
oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse

se dar. E para que cada pessoa pudesse
e possa ser, cada vez mais, a expressão
do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.
(Arthur da Távola)

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